Onne Fashion Talks

O LUXO SUSTENTÁVEL E OS DESAFIOS DA INDÚSTRIA DA MODA

Madeleine Muller
WhatsApp

Voltando no tempo, antes do Coronavírus: o que estava acontecendo no mundo da moda e das marcas de luxo?? E os impactos? Já se discutiam questões muito sérias sobre os impactos da moda como uma das indústrias mais poluidoras do planeta, além dos problemas laborais, consumo excessivo e descarte precoce de produtos em quantidades alarmantes. As tensões envolvendo temas sociais e o meio ambiente, além da necessidade de gerir melhor os recursos, fizeram com que o conceito de luxo evoluísse, sofrendo transformações. Sob a ótica da sustentabilidade, é possível redefinir o luxo com a incorporação de credenciais sociais e ambientais nos produtos e serviços O ecoluxo é um exemplo, indo contra o desperdício, valorizando a qualidade, a tecnologia e a origem das matérias-primas, evitando todas as formas de exploração para fazer uma moda bonita por dentro e por fora. Stella McCartney encabeça esse movimento desde 2001, produzindo peças sofisticadas, focada no ativismo ambiental, conjugando ética e estética dentro de seu propósito. Ela defende que as marcas e a indústria do luxo devem adotar soluções circulares que apoiem a agricultura regenerativa e o uso de materiais ecológicos e biodegradáveis, promovendo a conscientização para comportamentos responsáveis na produção e consumo de moda. Um luxo sustentável ou green, em outras palavras.

Coleção de Stella Mc Cartney fotografada num lixão, criticando o excesso de consumo.
Stella Mc Cartney: sofisticada, sustentável e consciente

Sem esse olhar transformador, comprometem-se os recursos das próximas gerações, caso não se regenere o sistema, alcançando um desenvolvimento sustentável na prática, com ações efetivas, e não apenas palavras bonitas na página da missão, visão e valores. Empresas e marcas com discursos vazios ou alheias às tendências de fundo e aos novos valores em questão, perderão relevância: as novas gerações estão redefinindo o que é considerado luxo para elas, e buscando mais verdade, transparência e posicionamento das marcas. Não por acaso,na semanadamodade Paris SS21,o desfile já em formato presencial da Dior recebeu a manifestação de uma convidada infiltrada: uma jovem levantou-se no final da apresentação e invadiu a passarela com um cartaz onde se lia “somos todos vítimas da moda”. Efeito-Greta para alguns, sinal dos tempos para outros. Se a moda é o espírito do tempo, o atual está marcadopelas alterações climáticas epelo ativismo. A indústria da moda tem sido chamada à responsabilidade. Conglomerados de luxo e grandes players globais tiveram de olhar para suas terceirizações e quarteirizações, nas quais não se envolviam, ignorando sérios problemas desde poluição até exploração de trabalhadores em condições análogas à da escravidão. O episódio do Rana Plaza em Bangladesh (2013) representa o lado B da moda, até então desconhecido para o grande público. Mas há outros problemas! A Burberry, atépoucotempo(2018!), incinerava seus estoquesnãovendidos,num péssimo exemplo de má gestão dos resíduos, causando aumento nas emissões de carbono que provocam o aquecimento global. E tudo isso para “preservar a marca”. Não preservou: duramente criticada, a britânica já fez um mea culpa publicamente, assinou o Fashion Pact*, e prometeu melhorar suas práticas, incluindo eliminar os plásticos de uso único e adotar exclusivamente fontesde energia renovável até 2030.

Protesto pacífico no Museu Rodin, onde aconteceu o último desfile da Dior, com invasão na passarela
A Osklen foi pioneira no Brasil na produção de uma moda ética e com menos impactos, utilizando materiais orgânicos e recicláveis

O relatório Fashion on Climate apresentado recentemente pela Global Fashion Agenda, em parceria com a McKinsey & Company, analisou quais as áreas da indústria da moda precisam cumprir as metas climáticas e apontou que, até o momento, apenas cinquenta empresas se comprometeram com as propostas alinhadas no acordo. Sugerem-se 16 passos para marcas, varejistas, fabricantes, cidadãos, investidores e políticos atuarem, onde cerca de 43% do potencial de redução de gases da indústria se dará pela descarbonização da produção e melhor eficiência de processos. Mudanças nas etapas de fiação, tecelagem, malharia, redução de água e aumento do uso de energia renovável são alguns dos exemplos. Isso requer uma nova mentalidade da indústria, evitando a superprodução de peças, as coleções gigantes, os desperdícios e incentivando-se o uso de modelos de negócio circulares. Quanto aos consumidores, prolongar o uso de suas roupas, valorizar peças de segunda mão (brechós de luxo estão em alta!), aluguel, serviços por assinatura, enfim, novas formas de acessar a moda, repensar e inovar os negócios enfrentando os desafios do mercado sem esquecer as urgências ambientais.  

Contudo, o mercado de luxo, no topo da pirâmide de consumo, foi afetado com a pandemia, mas readaptou-se, fortalecendo seus canais digitais de forma mais eficiente, conectando experiências e branding, uso do big data e personalização cada vez maior nos atendimentos, realizados on e offline. Neste movimento de retomada, estamos na tênue linha de reaquecer a economia, porém, buscando alternativas mais sustentáveis, já que todos somos responsáveis, e cabe a cada um de nós, nas nossas experiências de consumo, interpretar as diversas manifestações do luxo na nova economia, sustentada por relações sociais mais verdadeiras e significativas, decidindo o que realmente tem valor nas nossas vidas. Luxo é ser de verdade, e agir com consciência.

• O Fashion Pact* é um acordo proposto pelo governo francês em 2019 para os grandes players da indústria da moda unirem forças em prol dos desafios ambientais.

• Fonte consultada: https://d2be5ept72nvlo.cloudfront.net/2019/05/The-Future-of-Circular-Fashion-Report.pdf

Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável: vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética, regenerativa de sistemas e agente de transformação social. Contato: madeleine.muller@gmail.com

@madi_muller