Onne Fashion Talks - Madeleine Muller

O boom da roupa de segunda mão.
O usado é o novo “novo”?

O boom da roupa de segunda mão.
O usado é o novo “novo”?

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O mundo da moda está sendo sacudido por uma nova tendência: roupas de segunda mão. Sim, o bom e velho brechó, - palavra só conhecida no Brasil, nos demais países o termo é vintage, thrift shop ou second hand - está mais em alta do que nunca. Pesquisas apontam que o mercado de roupas de segunda mão dos EUA está projetando para mais do que triplicar de valor nos próximos 10 anos – de 28 bilhões de dólares em 2019 para 80 bilhões em 2029. No ano passado, as roupas de segunda mão expandiram 21 vezes mais rápido do que o comércio de roupas convencional. No Brasil, o fenômeno dos brechós online também provou sua aceitação no mercado e já é aposta inclusive de grandes players, como o grupo Arezzo, que acaba de comprar 75% do capital da Troc, um brechó online de luxo, passando, com a nova operação, a competir no mercado de produtos de segunda mão, abrindo uma nova frente de atuação no varejo. A companhia já havia informado seu interesse nesse mercado, considerando que os calçados usados da Arezzo são comumente encontrados em sites de recommerce, como estão sendo chamados.

A parceria entre a Gucci e a The Real Real é a atração da plataforma de recommerce americana, com muitos itens entre bolsas, óculos, roupas e calçados usados, mas autênticos, da badalada grife italiana. Confira em https://www.therealreal.com/flash_sales/the-realreal-x-gucci-6520

 

A atriz Fiorella Matteis  lançou seu "recommerce" logo no início da pandemia e ajudou diversos projetos sociais com seus leilões virtuais. Confira em https://gringa.com.br/

 

Que tal garimpar suas marcas favoritas a preços bem em conta ou mesmo abrir sua própria lojinha na plataforma Enjoei e colocar à venda as que você não quer mais? Confira em https://www.enjoei.com.br/

 

Um bom sinal aponta que a economia circular faz todo o sentido num mundo onde os recursos não são infinitos. Este momento traz, também, uma alteração na forma de consumo, com um novo olhar para o que já existe e para os recursos disponíveis: antes de jogar algo fora e demandar por novos recursos, é importante ressaltar que não existe “fora”. Vida útil curta e substituição prematura de bens de consumo contribuem e reforçam problemas socioambientais causados pelos sistemas atuais de produção e consumo, notadamente, o desperdício excessivo e as emissões de carbono. Assim, o desejo por uma roupa nova pode passar por um ajuste cultural que não tira a novidade da compra mesmo se o produto já for usado, ainda mais se isso for feito de forma consciente por parte dos consumidores. Roupas de segunda mão parecem ameaçar, também, a proeminência das redes de fast fashion – modelo de negócio caracterizado por roupas baratas e descartáveis que cresceu exponencialmente nas duas últimas décadas, alterando o panorama da moda ao produzir mais roupas, distribuí-las com mais rapidez e estimular os consumidores a comprar em excesso e a preços baixos. Soma-se a isso o triste dado de que menos de 1% dos materiais usados para fazer roupas são reciclados para roupas novas, uma perda anual de US $ 100 bilhões, sendo a fase de fim de uso uma das áreas mais fracas da cadeia de valor do vestuário. Entretanto, enquanto a fast fashion continuar a crescer 20% nos próximos 10 anos, estima-se que a moda de segunda mão deve crescer 185%. Marcas conhecidas como Stella Mc Cartney e Reformation, engajadas e atuantes dentro dos pilares da sustentabilidade, também viram oportunidades lucrativas ao fazerem parcerias com a The Real Real e a Depop, duas gigantes do segmento de revenda, acompanhando essa revolução no consumo. No Brasil, a startup Repassa, criada em 2015 como loja online de roupas usadas, já atraiu investidores neste ano, recebendo um aporte de R$7,5 milhões, enquanto a Enjoei, que concorre no mesmo nicho, entrou com um pedido para abertura de ações na bolsa de valores brasileira, estimando-se que a empresa poderá ser avaliada em 2 bilhões de reais com a abertura de capital. Explorando sua paixão como consumidora de second hand, a atriz Fiorella Matteis é outro exemplo de empreendedora desse tipo de plataforma que incentiva o consumo consciente com sua Gringa, atuando na compra e venda de artigos pessoais de luxo com curadoria e certificação de autenticidade, “estimulando a economia circular e contribuindo para um mundo mais sustentável”, nas palavras da atriz.

Pesquisas sobre o consumo de roupas e a sustentabilidade mostram que a tendência de roupas de segunda mão tem o potencial de remodelar a indústria da moda e mitigar o impacto ambiental prejudicial provocado pela mesma no planeta, evitando o descarte precoce e maximizando os recursos. A cultura do compartilhamento e reúso de produtos é uma forte tendência da atualidade, opondo-se à descartabilidade e incentivando o aumento do ciclo de vida dos produtos, impulsionado, agora, pelo comércio digital. Este mercado é composto por duas grandes categorias: lojas de roupas usadas e plataformas de revenda, sendo o último responsável pelo boom recente das roupas usadas e do upcycling nas coleções de moda, comportamento reflexo da pandemia onde, incrivelmente, o isolamento social teve efeitos positivos para algumas empresas, que já haviam iniciado a migração online. A própria Repassa teve faturamento 186% maior no período de maio a julho, em plena pandemia, comparado aos números do mesmo período em 2019, conforme divulgado pela Revista Exame.

A percepção do conceito de roupas usadas vem mudando também, na medida em que vários brechós de luxo passaram a comercializar peças de grifes famosas e desejadas a preços acessíveis, e, agora, muitos consumidores consideram as roupas de segunda mão de qualidade idêntica ou até superior às roupas não usadas. A tendência de comprar e revender também emergiu principalmente entre os jovens consumidores das gerações millenial e Z. Sem falar que o exercício de garimpar um bom achado também faz parte da experiência de consumo, abrindo possibilidades comparativas e maior conhecimento do que existe no mercado de revenda digital, que está rapidamente tornando-se a próxima grande novidade na indústria da moda. Considere-se, também, a acessibilidade, especialmente agora, durante a crise econômica provocada pela pandemia. Os consumidores não apenas reduziram o consumo de bens não essenciais, como roupas e acessórios, como estão preferindo comprar mais qualidade ao invés de coisas baratas e descartáveis. Para os revendedores de roupas, a instabilidade da economia combinada com o aumento do interesse pela sustentabilidade provou ser uma combinação acertada.

 

Fontes consultadas: 

https://sustainability.hapres.com/htmls/JSR_1205_Detail.html

https://www.pymnts.com/retail/

https://exame.com/pme/aporte-10-milhoes-startup-repassa-vende-roupas-usadas/

Comprar um artigo de luxo usado pela metade do preço parece muito vantajoso, desde que se tomem as precauções necessárias, devido às falsificações, portanto, é preciso pesquisar a reputação da empresa ou do site antes de fechar negócio.

Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade
Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em
Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável:
vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética,
regenerativa de sistemas e agente de transformação social.
Contato: madeleine.muller@gmail.com
madi_muller