Além da foto - Liane Neves

SOMBRA LUMINOSA

SOMBRA LUMINOSA

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Conheci Mario Quintana na missão de fotografá-lo aos seus 80 anos. Era 1986 e eu tinha 27 anos. Teria que entrar em seu dia a dia, invadir sua privacidade. Fiquei um pouco ansiosa, com um certo receio de como ele me receberia. Mas, desde o nosso primeiro encontro, houve uma sintonia enorme. Quintana permitiu que eu entrasse em sua vida. E tive o privilégio de passar um ano acompanhado o poeta. Ele, carinhosamente, me chamava de “minha sombra luminosa”.

O Mario suave, o Mario alegre, o Mario irônico, o Mario misterioso. Saíamos para passear pela cidade, nos lugares que ele gostava de ir. O Centro de Porto Alegre era o preferido. O Chalé da Praça XV, a Biblioteca Pública, as caminhadas pela Rua da Praia. Descobri seus hábitos. Ele frequentava o mesmo barbeiro há 50 anos. E, em seu quarto de hotel (ele dizia: “Eu moro em mim mesmo”), criava seus poemas, encostava na cama, pegava papéis, prancheta, lápis e escrevia-os, iluminado apenas por um pequeno spot de luz.

Guardo comigo um grande acervo de fotos que fiz de Quintana. O poeta e a fotógrafa, uma bela amizade que durou oito anos, até ele falecer.

Mario fez um pequeno poema para mim: “O fotógrafo tem a mesma função do poeta: eternizar o tempo que passa”.

Em 30 de julho deste ano, o poeta estaria fazendo 115 anos.

Liane Neves, fotógrafa profissional e jornalista, formada pela Famecos – PUCRS, tem cursos de Especialização em Fotografia em Londres e Nova York, com mais de 35 anos de carreira, fotografando para as maiores revistas do Brasil, como Veja, Exame e Caras. É autora dos livros “A Porto Alegre de Mario Quintana” e “Guia da Lica”.

@lianeneves21