Onne Fashion Talks - Madeleine Muller

O NOVO NORMAL FICOU PARA TRÁS,
QUE TAL UM OUTRO NORMAL?

O NOVO NORMAL FICOU PARA TRÁS,
QUE TAL UM OUTRO NORMAL?

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A moda saiu do modo pausa após um ano e meio ensaiando uma volta. Trouxe consigo uma lição de casa desse período conturbado: olhar e ouvir mais seu consumidor, entendendo os novos contextos de consumo e o tipo de experiência que se pretende oferecer. Nesse período complexo, de tantas dúvidas e incertezas, - mas de descobertas também-, estamos redefinindo o que é verdadeiramente essencial e importante na vida e nos negócios. O cenário atual, ainda sob o reflexo das transformações que a pandemia causou, obrigou as empresas de moda a saírem de sua zona de conforto, readequando produtos, ampliando serviços e acertando o tom da comunicação, a fim de fazer sentido na vida das pessoas face ao modelo híbrido que se apresenta.

A recuperação da economia no setor da moda trouxe também uma nova consciência e mudança de mindset, já que as relações comerciais tiveram de se adaptar não ao “novo normal”, que já ficou obsoleto de tanto falarem nele, mas ao outro normal, este ainda em aberto, não banalizado, nos convidando a ocupar novamente aquele espaço mágico (de percepção) onde a moda nos confere identidade, pertencimento e diferenciação. Nessa busca de sentido num momento tão difícil, não foram só os hábitos de consumo que mudaram, a jornada do consumidor também foi alterada, percorrendo caminhos menos lineares devido às várias redes sociais, plataformas de busca, vídeos de review e avaliações sendo consultadas em diferentes etapas do processo de compra, o que antes acontecia com menos distrações e pontos de contato, num ritmo mais lento.

A pandemia acelerou os processos de digitalização e as interações precisaram ecoar de forma mais ágil e efetiva, afinal, é preciso estar onde o consumidor está, o que requer uma reengenharia interna de processos e equipes, agora omni channel, sem perder o caráter pessoal e humanizado em qualquer ponto de contato. O papel da tecnologia é essencial na construção dessas pontes, desde a cadeia de produção até a geração de conteúdo e o atendimento, garantindo uma presença digital que seja real, com escuta ativa e proposta de valor.

Lidar com novas realidades e identificar as verdadeiras necessidades, temores ou dores do cliente (nem sempre identificados em meio às demandas), é um dos desafios das grandes marcas de moda, que já desceram do pedestal buscando se reaproximar em meio ao excesso de apelos e ofertas. Nessa (re)conexão, é preciso mudar o tom da comunicação conforme o contexto, entendendo o momento e as realidades impostas e expostas, como ficou notório durante os meses mais críticos da pandemia. Quem não lembra de marcas e influencers alienadas e insensíveis ao que estava acontecendo no mundo? Perderam a noção do bom tom, conforme denunciou com ironia a impagável Ilana Kaplan no meme do ano. Mas talvez estejamos atrasados e esse assunto já ficou cringe, que venha o próximo! Novo normal? Não, o outro, por favor.

O mercado reagiu e está em ebulição, após um período de banho-maria. As marcas centenárias trataram de revirar o caldeirão social multicultural que o “velho normal” ignorava, abrindo espaço para a diversidade, se reinventando em novos códigos visuais para acompanhar as ondas de consumo revigorado. As pequenas marcas, por sua vez, se adaptaram rápido graças a sua horizontalidade e conexões mais próximas, comunicando-se de forma empática e integrada, estabelecendo trocas mais significativas, respondendo às grandes questões que a moda ainda precisa resolver, enquanto reflexo da sociedade e espírito do seu tempo.

Nesse cenário volátil, incerto, complexo e ambíguo do mundo VUCA, pesquisas apontam para três drivers de comportamento:

DESSINCRONIZAÇÃO SOCIAL: sensações permanentes de incerteza, demanda por flexibilização de rotinas e ruptura do excesso de compromissos que antes eram um status, dando espaço a uma fragmentação comunitária, onde cada indivíduo continua executando os seus afazeres, de forma mais individualizada: cada um no seu tempo, com seu ritmo e espaço, porém, mantendo o anseio de alcançar um equilíbrio em todos os âmbitos da vida.

EMOÇÕES DIGITAIS: humanos e robôs caminham lado a lado em um cenário de conectividade que vai além do ver e ouvir. A ascensão de novas tecnologias com realidade afetiva fará com que o universo digital se espelhe cada vez mais na face humana, onde sensações táteis, olfativas e emocionais serão transmitidas digitalmente, permitindo uma experiência visceral em um mundo virtual.

SOCIEDADE HÍBRIDA: as mudanças diárias causadas pela imprevisibilidade dos novos tempos fazem com que a sociedade lance um olhar para novas formas de viver, baseando-se em soluções adaptáveis e inconstantes. Esse senso de resiliência, onde a realidade muda a partir da ótica do observador, impulsiona conceitos como inclusão, representatividade, empoderamento e diversidade.

Estamos vivendo o maior experimento de mudança comportamental da história da humanidade em termos de extensão, duração e envolvimento de pessoas. O velho normal já se despediu, o novo ainda não disse a que veio. Então, fiquemos com o outro normal, aquele que é possível, mais pé no chão, realista, respeitoso, ético e consciente. Que a moda possa refletir esses valores também.

Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade
Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em
Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável:
vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética,
regenerativa de sistemas e agente de transformação social.
Contato: madeleine.muller@gmail.com
@madi_muller