Por Criz Azevedo
Minimalismo como estilo de vida. O valor do que é essencial para cada pessoa.
A sociedade do consumo, que por sua vez ganha eco na publicidade e na propaganda, é como uma sereia persuasiva com seu canto tentador. Compra-se um ideal de como se vestir, morar, viajar, comer, e que, por vezes, pode levar a um naufrágio em forma de boletos e faturas de cartão de crédito. Questão de bom senso seria a melhor recomendação. Contudo, nem todos conseguem se equilibrar neste barco. Mas há aqueles que não se deixam seduzir, ou aprenderam a duras penas que adquirir coisas não é sinônimo de felicidade, mesmo com dinheiro sobrando no banco.
Há também quem faça escolhas sem pensar na economia que possa gerar, mas almejando um viver mais leve e que faça sentido em sua existência, de modo que possa ter mais tempo para o que considera importante para si - e não para agradar a um grupo com o objetivo de ser aceito e respeitado pelos êxitos materiais e profissionais.
Nesse caminhar que valoriza pequenas conquistas, expressões como essencialismo e minimalismo têm se disseminado nas redes sociais, em livros e documentários. De acordo com a jornalista canadense Mathilde Langevin, o minimalista prega a remoção de todos os itens físicos e não-físicos. “O essencialista se encaixa numa subcategoria do minimalismo que se concentra na qualidade, e não quantidade. Ele também opta por menos, mas foca especificamente no que há de melhor. Fazendo parte de menos atividades, ele otimiza suas performances e está ciente do momento presente. A maioria dos minimalistas são essencialistas, mas nem todos os essencialistas são minimalistas. A ligeira diferença nos detalhes certamente pode ser deixada para debate, dependendo dos preconceitos, interpretações e pontos de vista. Ao reduzir as semelhanças, ambos colocam um grande foco na intencionalidade e no poder de escolha. Ambos são modos de pensar e ser ao mesmo tempo. Ambos enfatizam a prática de dizer não, a fim de dizer sim às coisas que realmente importam e a você mesmo.”
Fazer as coisas certas
Entre os títulos mais vendidos, segundo o The New York Times, está “Essencialismo - A disciplinada busca por menos”, de Greg McKeown, que sintetiza sua narrativa em uma frase emblemática “menos, porém melhor”. Entre as suas falas, o autor preconiza a ideia de seguir um propósito e não um fluxo. Em seu livro, Greg sugere formas de questionar e tomar decisões para ajudar a fazer escolhas melhores, e isso inclui reflexões sobre renunciar a algo, o que muitos podem considerar como uma perda, mas que no fundo é um ganho de qualidade. Por meio de dicas, ressalta aspectos como a mentalidade básica de um essencialista; como discernir as muitas trivialidades do pouco que é vital; como fazer quase sem esforço as poucas coisas vitais. E nisso ele destaca o poder das pequenas vitórias, entre outras ideias. O essencialista não faz mais coisas em menos tempo – ele faz apenas as coisas certas.
Vida com significado
Propagar a ideia de uma vida simples e com significado tem sido o trabalho empreendido pelo paulista Gianini Ferreira por meio do seu site Mente Minimalista. Escritor, autor do livro e do documentário de mesmo nome, disponível no YouTube, Gianini atua como consultor na área e realiza cursos. Desde 2020, vive em Ilhabela no litoral Norte de São Paulo, tendo atuado por longos anos com desenvolvimento de pessoas e organizações, sendo também professor de pós-graduação, áreas profissionais ainda em atividade. Em seu documentário, lançado em dezembro de 2020, conta que descobriu o minimalismo aos 44 anos. O audiovisual também traz depoimentos de brasileiros e praticantes do minimalismo em outros países, que narram suas histórias pessoais e as mudanças positivas de um modus vivendi sem supérfluos. “O meu caminho de autoconhecimento vem antes de conhecer o minimalismo. Já havia adotado ‘pílulas’ de mudanças em nome de algo com maior significado para a minha vida. Mas foi aos 44 anos que iniciei uma transformação, começando com uma pequena experiência. Sempre fui sóbrio em relação às finanças, por exemplo. Não entrei no minimalismo pela dor. Entrei porque eu estava buscando. Na época não havia nomes que fossem referências sobre o assunto minimalismo, mas um texto do norte-americano Dave Bruno me chamou atenção, que fala sobre como viver com 100 coisas. Era um desafio que ele lançava. Fiquei curioso. Separei 100 itens e fiz essa experiência. Encaixotei algumas coisas, me livrei de outras. Este foi meu primeiro experimento social. Logo em seguida, o documentário ‘Os Minimalistas’ foi lançando e passei a pesquisar referências sobre o assunto pois ainda não tínhamos vozes no Brasil para abordar o tema”, destaca Gianini.
www.menteminimalista.com
YouTube “Mente Minimalista”
@menteminimalista
Mobilizadores de um estilo menos consumista
Quem tem se dedicado a difundir a ideia de um estilo de vida com menos consumo e mais tempo para o que importa são os norte-americanos Joshua Fields Millburn e Ryan Nocidemus, que praticam e disseminam o minimalismo. Em 2016, o documentário da Netflix “Os Minimalistas” deu holofotes à dupla, mostrando o dia a dia de cada um, em casa, trabalhando, em viagens. Ambos cresceram profissionalmente no mercado corporativo, não tiveram berço de ouro, nem ganharam a vida na moleza. Conquistaram postos na carreira profissional, bons salários, mas faltava algo: liberdade de fazer algo com um propósito maior. Anos antes de virarem referência e inspirarem outras pessoas, cada um, ao seu jeito, tomou a iniciativa de mudar de vida.
Hoje, Joshua e Ryan dão mentoria sobre o assunto minimalismo, assinam livros, gravam podcasts, realizam palestras e contam com um site, onde trazem artigos, dicas e sugerem nomes de outros praticantes do conceito: “À primeira vista, as pessoas podem pensar que o objetivo do minimalismo é apenas se livrar dos bens materiais. Mas isso é um erro. Os minimalistas não se concentram em ter menos. Nosso foco é abrir espaço para mais: mais tempo, mais paixão, mais criatividade, mais experiências, mais contribuição, mais contentamento, mais liberdade...Apenas doar um monte de coisas não o torna um minimalista, assim como comprar uma estátua de Buda não o torna budista ou fazer ioga o torna saudável. É um aspecto do todo.”
Em 2021, lançaram “Minimalismo Já”, também pela Netflix, trazendo depoimentos de mais praticantes, e lançando um desafio ao final do filme, que também consta no e-book “16 Regras Para Viver Com Menos” (em inglês), disponível gratuitamente no site. Em julho de 2021, lançaram mais uma publicação sem tradução para o português: “Love People, Use Things”.
@theminimalists
O dilema do desapego
Leo Babauta, escritor norte-americano, maratonista, pai de seis filhos, autor de blogs e livros com temáticas sobre qualidade de vida, entre eles o Mnmlist, traz uma reflexão para quem tem dificuldade em desapegar: “É difícil, não vou mentir. Mas pode ser incrível e, quando o fizer, você se sentirá liberado e leve. No entanto, permitir-se deixar ir é uma coisa emocional e, como acontece com qualquer coisa emocional, nem sempre é simples. Existem algumas razões emocionais pelas quais temos dificuldade em renunciar às nossas posses. Temos memórias e boas emoções associadas a elas. Gastamos dinheiro com os itens, o que significa que perdemos outras oportunidades de usar esse dinheiro, e odiamos pensar nas oportunidades perdidas... Tememos ter uma oportunidade de usar as roupas no futuro ou perder 4,5 kg e caber nas roupas no futuro. Tememos um futuro incerto, quando precisaremos dos bens porque não temos dinheiro para comprar mais. E, no presente, gostamos de ter a sensação de ‘fartura’. Como você pode ver, há muita coisa relacionada a esse vínculo com nossos bens. Você também pode notar que os dois primeiros estão associados ao passado, os dois segundos estão associados ao futuro, e apenas o último lida com o presente”.
www.zenhabits.net
https://mnmlist.com/
@leobabauta1
Impacto no meio ambiente
O caminho aconteceu de forma natural para Jaqueline Gomes, formada em Letras, revisora de textos, servidora pública, sem saber exatamente que o estilo de vida que estava praticando configurava uma forma de viver minimalista. “Morei fora do país há mais de seis anos. Aprendi a carregar comigo apenas o que fosse essencial na bagagem, pela praticidade, economia, pois queria conhecer culturas, me deslocar com facilidade. Ali foi o despertar de tudo, vi o quanto a gente desconta as nossas deficiências adquirindo coisas materiais, querendo sempre mais alguma coisa. Viajar de forma leve ensina sobre o que realmente é necessário”. Muitos objetos acabam bloqueando a fluência da vida, segundo Jaque. A praticidade e objetividade ao fazer e carregar uma mala revelaram que poderia ser levado para outros aspectos da vida. “Comecei a me perguntar: eu realmente preciso disso, ou estou só comprando por causa da promoção? Ou então, por que comprar para uma ocasião especial que você não sabe se vai acontecer? Passei a questionar e associar compras à sustentabilidade, meio ambiente, resíduos gerados. Passei a avaliar sobre consciência social dos produtos, se é vegano ou não. Não consigo ser perfeita, mas se eu puder pensar e agir nesse sentido antes de tomar uma decisão, eu faço”. De acordo com Jaque, uma casa com o básico tem vantagem de ser fácil de limpar, arrumar, administrar. No entanto, a qualidade de alguns itens, como um bom notebook, é imprescindível. Para ela, um divisor de águas foi a Yoga, que ensina a viver o momento presente e cada pessoa olhar mais para si.
@jaquegomes_
Prioridades na vida
Caroline Abreu, jornalista e advogada, conheceu os preceitos do minimalismo em 2017 e decidiu criar um canal no YouTube, o Parece Óbvio, para contar suas experiências, reflexões, mudanças e dar dicas sobre uma vida mais leve, com menos consumo. “Na época, assisti ao documentário Os Minimalistas e fez muito sentido para mim”. Caroline ressalta que o audiovisual norte-americano ajudou a ver o minimalismo numa perspectiva filosófica, e sem olhar pelo ponto de vista da economia que ele também gera. Pois minimalismo é muito mais do que destralhar objetos e comprar menos. Aos poucos, ela foi modificando alguns hábitos, e o marido também aderiu ao longo do tempo. “Esse processo foi acontecendo sem pressa, estabelecendo prioridades. Não sacrifico o meu hoje em nome do futuro. O mínimo precisa ser prazeroso, e o mínimo é relativo para cada pessoa”. Hoje, Caroline prefere não usar a expressão minimalista para definir seu jeito de viver, pois acredita que o termo insere as pessoas em rótulos, e o prazer de viver precisa ser livre. “O que vejo como mais fundamental disso tudo é o exercício do autoconhecimento e de forma contínua. Ele vai te trazer reflexões e luzes sobre o que importa”.
YouTube: Parece Óbvio
@pareceobvio
Vida organizada flui melhor
O caminho para entender onde estão os gaps que levam as pessoas a acumular objetos, gastar dinheiro em itens que raramente usam, pode estar na contratação de um Personal Organizer. Entre os profissionais que auxiliam neste desafio está a gaúcha Fernanda Medeiros. Formada em Administração de Empresas, com pós-graduação em Gerenciamento de Processos, ela é personal organizer e uma praticante do minimalismo no que configura viver com o que é essencial. Atua como consultora em organização de agenda pessoal, produtividade, guarda-roupa inteligente, geladeira eficiente, além de realizar palestras em grupo. Fernanda ressalta que organizar é diferente de arrumar; simplicidade é diferente de humildade. “Eu costumo dizer que minimalismo não é voto de pobreza. Se um smartphone último modelo é importante para você e seu trabalho, adquira e faça bom uso dele”.
Por doze anos, morou em São Paulo e passou a adotar novos hábitos, com o objetivo de economizar para viajar. E foram algumas experiências internacionais que a fizeram ficar craque no assunto, até decidir mudar de país. Há quase dois anos, vive na cidade do Porto, em Portugal, com o marido, e atende clientes de forma online em razão da pandemia. Diz que todos os seus pertences cabem em duas malas. Fernanda salienta que na Europa, práticas como reciclagem e reaproveitamento estão muito presentes na cultura local, e isso é percebido em todas as faixas de idade da população. Para conhecer o trabalho dela, acesse.
@fernandamedeirosorg