VANTAGENS DE VIVER NO PAÍS LUSÓFONO TEM ATRAÍDO IMIGRANTES
Facilidade do idioma, segurança, moeda forte, qualidade de vida, oportunidades de empreender, aposentadoria são algumas das motivações que têm levado brasileiros a emigrarem para Portugal. Seguidamente, se tem notícia sobre um amigo ou conhecido que decidiu apostar todas suas fichas, levando consigo a família e até seus animais de estimação para viver naquele país. E o Itamaraty confirma, por meio de dados divulgados em 2021, que o número de brasileiros no exterior cresceu 35% no período de 2010 a 2020, passando de 3,1 milhões para 4,2 milhões, sendo que mais de 276 mil aportaram em Portugal. Por sua vez, Portugal recebeu mais de 150 mil renovações automáticas de residência efetuadas por estrangeiros, 73.116 (46,5%) delas de brasileiros, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que disponibiliza informações sobre procedimentos necessários para entrada no país como residente, investidor e outras formas, via site www.sef.pt .
Estar em Portugal, porta de entrada da Europa, é estratégico para Mike Taylor. Norte-americano de mãe brasileira, formado em Ciências Políticas, tem dedicado sua carreira ao vinho, como sommelier, especialista em importação e exportação, além de realizar degustações guiadas e atuar como consultor na área para restaurantes, hotéis. Morador de Bragança, a cada 15 dias viaja a vinhedos, vinícolas, além de acompanhar grupos pela Europa, levando seu conhecimento sobre o universo da bebida de Baco. Tendo morado no Brasil, Estados Unidos, Panamá, México, Argentina, Chile, Espanha, França, Itália, escolheu Portugal em 2016, em um momento importante de renovação do país. “Portugal fez um trabalho muito bom nestes anos. A prima pobre deu lugar a um país na lista de desejos dos estrangeiros. Apostaram em infraestrutura. Descobriram que não adiantava ir para feiras de turismo. Passaram, então, a investir pesadamente em algoritmos digitais. Se você escrevesse ‘viajar’ no Google, aparecia a opção Portugal automaticamente. Os nórdicos, acostumados ao frio, viam Portugal como atrativo por suas muitas horas de sol, além de um litoral que convida a esportes como surf. Esse redescobrimento, também foi impulsionado por benefícios fiscais para quem investisse mais de meio milhão de euros, ganhando o visto Gold”, explica Mike. O sommelier ressalta que não existe “jeitinho” para conseguir as coisas, “o povo respeita as leis e as instituições, ele não é destruidor do sistema. Abri minha empresa em um dia, pagando uma taxa e sem muita burocracia”.
Entre os brasileiros que fizeram a virada de chave e mudaram-se para Portugal está o gaúcho Luciano Gasparini Morais, 47 anos, empreendedor na área de turismo receptivo junto com a esposa Mara Antonia. Vivendo em Vila Nova de Gaia, região metropolitana do Porto, desde 2016, Luciano chegou a visitar o país em anos anteriores. Gostou e estabeleceu como meta voltar para estudar ou abrir uma empresa, mas queria fazer tudo dentro da lei. Havia também outras razões, a violência em Porto Alegre, e o incentivo de Mara para arriscar uma empreitada do outro lado do Atlântico, mesmo tendo carreira estável como funcionário público e atividades paralelas como árbitro de futebol, uma de suas paixões, chegando a cursar jornalismo para ficar próximo dos campos e atuar com reportagem esportiva.
Determinado em realizar seu sonho, candidatou-se ao Mestrado em Gestão Desportiva. Colocou seu imóvel em Porto Alegre à venda. Foi aceito pela universidade, e partiu primeiramente sozinho, em fevereiro de 2016. Iniciou o curso, tentou ver a possibilidade de trabalhar de forma legal, pois a família iria quando tudo estivesse estabilizado. No entanto, a questão emocional pesou bastante, Luciano tinha muita saudade da esposa e dos filhos. Estava disposto a enfrentar as adversidades que surgissem sem ainda ter algo sólido que garantisse sustento e conforto para quatro pessoas por muito tempo. Em setembro, todos estavam juntos em Portugal.
O casal concordou que um iria empreender enquanto o outro seria funcionário de alguma empresa até o negócio dos Gasparini dar lucro. A ideia de criar um serviço de transfers foi inspirada numa experiência pessoal. Quando sua família chegou, havia muita bagagem, além do cachorro de estimação. O carro emprestado era pequeno demais. “Pensei nas centenas de famílias que vêm morar, comprei uma van usada para iniciar o serviço de transfer em 2017”. De lá para cá prosperou, adquirindo mais um veículo, e a esposa hoje faz parte da equipe. “Já fiz transfers para mais de 600 pessoas. Divulguei nos grupos de Facebook, amigos e clientes foram indicando. Além disso, disponho de veículo para transportar cachorros de grande porte, um serviço raro nesta região”, conta Luciano, que também passou a oferecer passeios em ônibus para turismo.
ACOLHIDA PORTUGUESA
Contar, por meio de narrativas audiovisuais, o momento de um parto, uma superação pessoal, uma trajetória profissional, documentando com sensibilidade cada história. Este é o trabalho de Carolina Goya, roteirista, produtora e diretora de filmes biográficos. Formada em Psicologia, ingressou no mundo do cinema, televisão e publicidade em Porto Alegre. Trabalhou para empresas do segmento e decidiu empreender quando engravidou em 2011. Queria ter mais flexibilidade para conciliar maternidade e trabalho. Foi quando criou a produtora Bastidores.
A empresa estava indo muito bem, mas seguidamente uma “pulguinha” a fazia lembrar de uma viagem a Portugal quando fez um mochilão em 2007. “Sou luso-brasileira, meus avós vieram do Porto. Visitei o país e me senti em casa”. Anos depois, em 2016, já casada, viajou novamente, desta vez com o marido. Voltaram para o Brasil planejando morar no Porto. “Em março de 2017, vim apenas com meu filho, pois entendia que se ele se adaptasse bem à escolinha, seria a chave para eu realmente ficar aqui. E fomos muito acolhidos. Também queria sentir o mercado, e descobri que não havia profissionais fazendo o tipo de audiovisual que eu faço”. Tempos depois, o marido foi ao seu encontro.
Trabalham juntos em casa, ela faz o atendimento aos clientes, roteiros, gravações e direção. Ele cuida da edição. Seus primeiros clientes foram amigos portugueses que conquistou aos poucos. E eles foram recomendando seu trabalho. “É muito diferente vir para cá quando você é turista, os portugueses são muito solícitos. Se você vem para morar e trabalhar, percebe que eles são mais reservados. Depois que eles entendem seu propósito de vida, tornam-se seus grandes amigos”, diz Carolina.
CONEXÕES DIGITAIS
A facilidade da tecnologia na nuvem propicia que cantores gravem suas vozes num estúdio em Lisboa e arranjos no Brasil, como tem feito a Loop Reclame e a Loop Discos, que tem como fundador Edu Santos. Desde 2019, vive na capital portuguesa com a esposa Manu e os filhos.
Por meio da Loop Reclame, grava jingles, trilhas, spots, podcasts para empresas. Possui um pequeno estúdio em casa. No Brasil, eles são maiores e ficam em Porto Alegre e São Paulo, mas também grava em outros países. Já a Loop Discos é um selo que agencia músicos da cena independente, lançando-os no mercado brasileiro e internacional. São mais de 90 nomes, a maior parte do Brasil, alguns no Uruguai, Estados Unidos, Dublin, Moçambique, Londres. Business, este, que tem se dedicado bastante por conta da grande quantidade de novas músicas e artistas nestes recentes anos, com agenda lotada até março de 2022.
A relação com Portugal é anterior a mudança. Duas bandas produzidas pela Loop Discos ganharam o Prêmio EDP Live Bands, concurso que leva músicos para se apresentarem no NOS Alive, um dos maiores festivais portugueses. Outro trabalho importante foi show tributo a Tim Maia, com Tonho Crocco, para oito países da Europa, e o lançamento da primeira artista norteamericana do selo Loop Discos, DD Dagger, no Festival SXSW, no Texas, em 2018. “Um dos trabalhos que fizemos em 2021 foi o lançamento da cantora e compositora portuguesa Inês Bispo, que também gravou com a banda catarinense Zaka. Gravamos, distribuímos nas plataformas, buscamos oportunidades para impulsionar a carreira do artista e expandir sua música”, conta Edu, que acompanha as pesquisas de consumo e tendências pós pandemia, e diz que a área do entretenimento vai crescer muito.
Amigo e parceiro de pedaladas de Edu, Vinícius Lobato, 45 anos, Chief Business Officer (CBO) e sócio fundador (2007) da Brivia - empresa de estratégia, experiência e comunicação. Com escritórios em Porto Alegre, Novo Hamburgo, Florianópolis, Rio, Brasília, Joinville, São Paulo e Lisboa, a Brivia já atuava no modelo híbrido com home office antes de o Coronavírus impor mudanças de hábitos. O executivo tem mirado o mercado europeu, acompanhando eventos como o Web Summit Lisbon, maior conferência da Europa em tecnologia e inovação, bem como feiras internacionais em outros países do continente: “Achávamos importante fincar uma bandeira em Lisboa para estar conectados ao ecossistema de inovação da Europa, pois a pauta transformação digital é muito presente aqui, e ela vai ao encontro do trabalho que desenvolvemos na Brivia. Em novembro de 2019, abrimos o escritório, mas com foco inicial no mercado latino-americano, para levar tecnologia europeia para clientes do Brasil. No entanto, estamos olhando a Europa como um business, pois a pandemia trouxe algumas reflexões”, ressalta.
Vinicius observa que, embora os portugueses tenham uma cultura tradicional, conservadora, mais demorada para tomar decisões, pois os negócios só acontecem com muito planejamento, eles são bastante atentos ao que acontece no mundo e receptivos às novas ideias. Prova disso é a capital portuguesa sendo comparada ao Silicon Valley (Califórnia, EUA). Uma das razões é o Almada Innovation District, na região metropolitana, projeto da Universidade Nova de Lisboa para receber startups e outras iniciativas com o objetivo de criar uma cidade tecnológica e sustentável.