Criativos que se destacam em alguma área da criação costumam demonstrar seu dom desde cedo. O artista visual Augusto Lima rememora sua infância desde piá em Porto Alegre quando ficava as tardes sentado desenhando em frente à porta do prédio em que morava, no Jardim Leopoldina, Zona Norte, enquanto as outras crianças circulavam de bicicleta ou pulavam amarelinha. Era compreensivelmente conhecido na vizinhança como “o desenhista”, isso com 8 ou 9 anos. Aos 12 anos, ganhou de presente do pai, o enfermeiro Adelino, uma mesa de desenho trident e nela segue até hoje fazendo seus trabalhos. Augusto sempre teve o incentivo do pai. Com muito esforço, o enfermeiro comprava lápis e papel para o filho. E o pequeno artista lembra de uma “pranchetinha escolar” que passou a carregar “pra cima e pra baixo”.
– Era mágico passar as noites dos finais de semana desenhando; tenho na memória o latido dos cachorros de rua e do rádio baixinho tocando música, enquanto eu fazia estudos de luz e sombra e perspectiva – diz.
O irmão mais velho dedica-se ao desenho técnico e foi uma inspiração para Augusto. Seu processo, ao contrário, é completamente livre e instintivo. Até chegar às séries atuais, sobre diversos suportes e com materiais usados sem regras, o artista trabalhou em uma agência de propaganda e cursou Publicidade e Propaganda na Unisinos. Até chegar ao Instituto de Artes da UFRGS. “Amei o lugar, os professores, aquele clima de arte por todo lado, as aulas no atelier coletivo”, ressalta.
Com tanto foco na criação, claro que Augusto Lima já expôs em mostras individuais e coletivas e participou de salões de arte. As suas séries mais recentes – Café, Livro, Poema Sujo, Retratos e Urbano – demonstram a sua capacidade de abarcar muitos suportes. Augusto já trabalhou com papel e tela, algodão cru, filtro de café, jeans velho, papelão, lâmina de celulose, madeira “e por aí vai”.
Do mesmo modo incide uma profusão de materiais de pintura e desenho, chegando a usar tantos em uma mesma peça que nem se pode afirmar quais predominam: “Utilizo uma técnica variada, misturo tudo que se apresentar como necessário: acrílica, óleo, nanquim, pastel seco e oleoso, colagem grafite, canetas, carvão, tinta de serigrafia, de gravura, aquarela, pó xadrez”. Augusto deixa a fluidez do fazer artístico tomar conta da sua técnica e estilo.
– Eu deixo o meu processo criativo o mais livre possível: não penso muito, deixo acontecer. Aprecio uma experiência o mais fluida possível e sempre busco materiais que possam me desafiar, principalmente no suporte – diz.
No quesito suporte, hoje Augusto assumiu o controle das telas, feitas por ele com o reaproveitamento de sobras de madeira. Isso sem comentar o fato de que se apropria de coadores descartáveis de café e cria sobre esses elementos triviais do cotidiano obras de arte que nascem dos rastros do uso da bebida. São janelas para outras dimensões, transformando um objeto funcional em contemplativo.
Naturalmente, a dimensão e o tempo de execução de cada obra também são relativos. Não programa o prazo de conclusão, trata-se do “necessário para que seja concluída”:
– Sempre que vou desenhar ou pintar, normalmente não tenho algo específico. Pode ser tela única, tríptico, uma série, figura humana, o urbano ou retratos, deixo que o processo aconteça.
Surge desse processo um trabalho intrigante. Sua densidade varia ao sabor do momento e da intuição, totalmente abstrato ou com pitadas de figuração. Sempre há um elemento difuso que se manifesta como uma aura de magia, de nascimento da criação.
Cézar Prestes, gestor cultural, marchand e curador. Teve atuações como Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, diretor do Departamento de Patrimônio Histórico, Museus e Arquivos do RS, Museu de Arte do RS Ado Malagoli (MARGS), diretor e curador do Centro Cultural Aplub e das suas galerias Grafite e Cézar Prestes Artte. Entre suas ações, como diretor do MARGS, realizou a exposição Arte na França, que atraiu 37 mil visitantes do Brasil e do exterior.
@cezarprestes