Onne Fashion Talks - Madeleine Muller

Onne Fashion Talks - Madeleine Muller

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A boa e velha pochete: novas formas de uso / Foto: Unsplash

Você já deve ter lido ou escutado que na moda nada se cria, tudo se copia - será? Lendo o livro de Austin Kleon, “Roube como um artista”, entendemos que nada vem do nada. Todo trabalho criativo é construído sobre o que veio antes. Nada (ou quase) é totalmente original e é normal sermos influenciados pelo trabalho ou estilo de alguém que gostamos, ou alguém que veio antes. A questão é que toda nova ideia é um mashup ou remix de uma ou mais ideias anteriores, que serão modificadas a partir do nosso olhar para elas. Esse olhar tem a ver com o repertório que construímos durante nossa vida, o que vimos, captamos e introjetamos com base nas nossas experiências e relações estabelecidas com os outros e com o meio externo. Podemos aprender com os grandes mestres, nos inspirar neles, desde a arte até a moda, os grandes criadores, as grandes marcas. E esse inspirar-se não é no sentido de copiar, mas sim buscar seu próprio jeito de (re)fazer ou ressignificar o que já foi feito, na sua própria tradução.

Muitos profissionais da indústria da moda olham para as marcas com repertório, como Gucci e Balenciaga (apenas para citar duas que souberam se reinventar entendendo os sinais do zeitgeist), mas não percebem que a renovação também está na revisitação de seus próprios arquivos, de tudo o que foi feito e pode ser retomado, sob outras lentes, contextos e tecnologias. Partindo do seu próprio DNA, elas conseguem se renovar a cada temporada, atualizadas com o momento e o público visado, o que influencia no processo de (re) criação e desenvolvimento de produtos que viram fenômenos de vendas. Contudo, a inspiração criativa não é aleatória: ela requer método. Um dos principais fatores que contribuem para o sucesso das coleções baseia-se não só nas fontes de inspiração dos criadores, mas também na diversidade de fontes que eles consomem. É óbvio que não basta ser criativo, é preciso conhecer bem o mercado e seu público, a não ser que se esteja fora do circuito comercial, sem a pressão da venda, num caminho totalmente independente - mas isso já é tema para outra coluna.

AFINAL, O QUE É REPERTÓRIO?

O repertório é todo conhecimento adquirido e acumulado por meio da experiência do indivíduo, seja ele em ambiente pessoal ou profissional. Ou seja, tudo aquilo que já se viu, ouviu, aprendeu, conheceu e, de alguma forma, assimilou. Cada um, dessa forma, vai criando uma bagagem que fortalece ainda mais seu conhecimento e permite que as inspirações sejam uma interpretação das referências à sua maneira. A inspiração pode vir do próprio repertório pessoal de vida, mas também pode ser buscada propositalmente através de pesquisa. Não existe certo ou errado, mas sim o que funciona melhor em cada processo criativo, seja qual for o projeto a ele vinculado.

O vai e vem da moda: importante é construir um estilo! / Foto: Unsplash

E A INSPIRAÇÃO? VEM DE ONDE?

A inspiração está por todos os lados, mas também dentro de cada um, do que viu e viveu, e essa bagagem de referências é primordial para criar ou ressignificar artigos de moda surpreendentes e criativos. Ao colocar uma visão de mundo e referências nos produtos, eles se tornam ainda mais originais e diferenciados. Assim, sempre serão fontes as viagens, os livros, os filmes, as músicas, as exposições, a arte, a arquitetura, os movimentos culturais etc. É preciso pesquisar, verbo essencial para qualquer empresa, negócio ou projeto na área da indústria criativa, como forma de construção de conhecimento e informações necessárias ao processo de design. Sendo assim, a inspiração da moda é o resultado da pesquisa criativa, da coleta e seleção de ideias antes do design e da criação.

Fundamental é saber para onde olhar - e, quando olhar, entender o que é relevante e faz sentido na criação, alimentando-se de outras perspectivas e saindo da “bolha” para enxergar além. Caso isso não ocorra, continua-se na zona de conforto, estagnado no que já existe no mercado, sendo mais um entre os demais. Há que se diferenciar. O mundo é uma fonte de inspiração muito ampla, da natureza à realidade urbana, em tudo o que nos rodeia. Podemos sim inovar a partir do que já existe, fazendo de novo, como visto em grandes marcas de moda através de reuso ou reciclagem de materiais ou estoques já existentes.

Para finalizar, lembro que na moda somos eternos coletores, pegamos algo aqui e ali o tempo todo, vamos armazenando. É muito importante que se crie o hábito de coletar imagens, ideias e até mesmo pensamentos dispersos, porque, em algum momento, o que parece solto se conecta, e lá está: a criação começa a nascer!

Referências: KLEON, Austin. Roube como um artista. Rio de Janeiro: Rocco, 2013

A “parceria” entre a Gucci e a Balenciaga no Verão 22 não foi considerada oficialmente uma collab, mas uma jogada de mkt / Foto: Reprodução / Divulgacão Balenciaga

Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade
Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em
Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável:
vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética,
regenerativa de sistemas e agente de transformação social.
Contato: madeleine.muller@gmail.com
@madi_muller