Quando compramos um produto, queremos acesso a um determinado estilo de vida. Validamos, com nossas escolhas, as boas ou as más práticas do mercado. Porém, quando consumimos e postamos nossas “comprinhas”, também somos consumidos. De certa forma, colocamo-nos na prateleira das redes sociais, num modo de produção em que a vida e o lifestyle de cada um é o produto. Quem lucra com isso? Ora, para se expor numa vitrina instagramável e ser percebido, é preciso ter a aparência que vende. A Shein entendeu e passou a oferecer esse imenso parque de diversões consumistas. O que ninguém sabe é que alguém está pagando caro para esses produtos serem tão baratos. Não existe mágica!
Para realizar documentário investigativo, a emissora britânica Channel4 enviou uma repórter disfarçada para Panyu, em Guangzhou, na China, onde ficam diversas fábricas de roupas terceirizadas e a sede da Shein, motivando uma denúncia contra a varejista chinesa, de trabalho análogo à escravidão. A Shein manifestou-se alegando estar investigando as denúncias, apresentadas em outubro deste ano.
Quantos casacos e jaquetas precisamos em nosso guarda-roupa? De quantas cores? Precisamos ter a cor do ano da Pantone ou da WGSN para sermos aceitos socialmente? O consumo excessivo e o descarte precoce são alguns dos motivos para o exorbitante número de mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis desperdiçados por ano no Brasil. Quem divulga o número é a Abrelpe (Associação Brasileira de Limpeza Pública e Residuos Especiais), e é claro que, além da quantidade descartada, preocupa a poluição ambiental causada pelos materiais e químicos utilizados, provocando grandes danos para a população e o planeta.
Entretanto, não se pode esquecer que esse é um modelo de negócios em que a produção está atrelada a um consumo rápido, impulsivo, que tem como conceito a não repetição dos looks e o veloz desuso das roupas, inclusive pela baixa qualidade. Sua lógica é insustentável, mesmo com todas as melhorias e tentativas de circularidade, ainda ínfimas, face ao volume total produzido - pois segue incentivando o consumo em excesso e o uso de recursos que não são infinitos - o resultado é uma cadeia de problemas que vão desde as emissões de gases causadores do efeito estufa (e aqui entra não só a etapa de produção, mas também a de distribuição, entrega e uso dos produtos), a alta demanda por matérias-primas e o gigantesco volume de descarte inapropriado destas roupas, em sua maioria feitas de tecidos sintéticos, com alto poder poluidor. Comprovando o que já sabemos desde o desabamento do complexo têxtil Rana Plaza (ocorrido em 2013), voltamos a ver os direitos dos trabalhadores violados. Recentemente, um novo documentário investigativo da emissora britânica Channel 4 revelou que, por trás dos preços baixíssimos praticados pela Shein, estão trabalhadores em regime análogo à escravidão. A história se repete, a exploração também, e quem assistiu a “The True Cost” sabe do que estou falando. Quem não, é só procurar na Netflix. O documentário, de 2015, demonstra bem qual é o verdadeiro custo da moda, que ninguém vê.
Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável: vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética, regenerativa de sistemas e agente de transformação social. Contato: madeleine.muller@gmail.com madi_muller