Onne Fashion Talks - Madeleine Muller

ATEMPORAL É SEMPRE ATUAL: REVENDO A RELAÇÃO COM NOSSAS ROUPAS

ATEMPORAL É SEMPRE ATUAL: REVENDO A RELAÇÃO COM NOSSAS ROUPAS

Foto: Carlos Sillero
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A relação dos consumidores com a moda vem sofrendo
constantes mudanças e atualizações com o passar do tempo. E,
como todos já sabem, a moda é um reflexo da sociedade em que
vivemos, mas também um instrumento de comunicação poderoso
onde dizemos quem somos e em quais valores acreditamos através
do nosso vestir.
Cada vez mais os consumidores têm acesso à informação
e entendem que a moda não se trata apenas de roupas, mas de
comportamentos, valores e decisões pessoais com base no que
acreditamos e esperamos encontrar no mercado. Além de querer
saber sobre os processos de produção, sobre as matérias-primas,
o conceito da coleção e as histórias por trás desses lançamentos,
percebe-se o aumento do público disposto a comprar de marcas
comprometidas com padrões éticos, que valorizem as pessoas e
o meio ambiente, inclusive pagando mais por esses atributos. Os
clientes, especialmente as novas gerações, querem estar inseridos
em todo o desenvolvimento, podendo cocriar, opinar e se identificar
com a essência das marcas, exigindo transparência e posicionamento
das mesmas nas questões que julgam relevantes.
Podemos observar que o modelo de vida mais sustentável tem
se tornado cada vez mais presente, inclusive entre os criadores.
Várias marcas, nas recentes semanas de moda europeias, sinalizaram
essa preocupação, tendo Stella McCartney no protagonismo da
mudança de mindset para uma moda mais durável e consciente.
Mas isso não vem de agora, Coco Chanel já afirmou, no século
passado: “Sou contra a moda que não dure. É o meu lado
masculino. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora só
porque é primavera”.

Na contramão dos seguidores de tendências de curta ou
curtíssima duração, que denominamos fads ou micro tendências de
estilo, já há uma procura crescente por mais essência, identidade, e
menos moda descartável. A busca por peças com extrema qualidade,
design atraente, não afetado pela obsolescência estética, que durem
por muito tempo e façam sentido no guarda-roupa, tem ganhado
força num momento em que a indústria da moda atravessa uma
fase de transição, revendo toda a sua complexa cadeia.
As pessoas estão mais seletivas no momento da aquisição de
uma peça nova (ou usada), percebendo que sua compra também é
a validação de um modelo de negócios: “Compro, logo, apoio”. Na
virada de chave para um consumo mais racional, é fácil entender
que não precisamos de tantas roupas, mas de roupas que nos
representem, que façam sentido no nosso dia a dia, dentro dos
nossos contextos de vida, independentemente da cor da estação
ou do que o marketing de influência está dizendo que é o “must
have” da vez. Quem dita o que devemos consumir não é a indústria
da moda, apesar da forte influência que sofremos para sermos
“incluídos” esteticamente, com o visual padronizado oferecido pelas
redes de fast fashion. Somos nós os protagonistas das histórias
que queremos contar e que nossas roupas comunicam, portanto,
saibamos escolhê-las!

O QUE É MODA ATEMPORAL?
A ideia por trás desse conceito é trazer apostas que
permaneçam relevantes com o passar dos anos e com o
surgimento de novas tendências. Basicamente, roupa atemporal é
uma peça que continua contemporânea, mesmo décadas após sua
criação. Como consumo, serve de alternativa à indústria focada na
hiperprodução e com lançamentos novos a todo instante. Diante
desse cenário, a moda atemporal carrega a ideia de trazer um
consumo mais consciente e desacelerado, ainda que se utilize
de peças de coleções passadas, mas que podem ser mantidas e
recombinadas, mantendo-se sempre em alta.

Assim, o estilo atemporal preza pelo minimalismo e pela
simplicidade, mas sem abrir mão da personalidade e da sofisticação,
sendo uma iniciativa sustentável no vestir, pois propõe diferentes
possibilidades e combinações com as mesmas peças, criando looks
para ocasiões diversas. Pense em camisas brancas, trench coats,
peças de alfaiataria, malhas lisas, cores neutras, cortes retos, ótimos
tecidos e caimento impecável. Mais um exemplo? O terninho, o
preto e branco e as pérolas imortalizadas pela Chanel, na década
de 1930, são usados até hoje. O scarpin também é um exemplo de
sapato atemporal, criado no final da década de 1940, sendo objeto
de desejo e peça de enorme sucesso na moda, indo e vindo em
diversas releituras.
Em resumo, a moda atemporal é o estilo validado pelo tempo
e sobreviveu a todas as trocas de tendências. São aquelas peças
clássicas e elegantes que continuam sendo vistas todos os anos,
trazendo um ar de contemporaneidade e adaptabilidade.
Ainda que possuam características minimalistas, as peças
atemporais estão atreladas à durabilidade, priorizando qualidade,
simplicidade e elegância. Seu design clássico pode ser usado por
pessoas de todos os estilos e em diversas ocasiões, fazendo parte
do movimento slow fashion.
É importante ressaltar que essas peças-chave são versáteis
e multiplicadoras, trazendo consigo mais do que informação de
moda, pois apresentam um posicionamento. A criatividade na
hora de montar as combinações (as roupas, as cores) e o jeito
de se vestir são formas de expressar a liberdade, as opiniões e
os sentimentos por meio da moda, por isso a moda atemporal é
sempre atual e redefine as relações com nossas roupas, com mais
significado e entendimento de tudo o que elas representam. E
como eu sempre afirmo por aqui: a moda não é sobre roupas, a
moda é sobre pessoas.

Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade
Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em
Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável:
vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética,
regenerativa de sistemas e agente de transformação social.
Contato: madeleine.muller@gmail.com
@madi_muller