A relação dos consumidores com a moda vem sofrendo constantes mudanças e atualizações com o passar do tempo. E, como todos já sabem, a moda é um reflexo da sociedade em que vivemos, mas também um instrumento de comunicação poderoso onde dizemos quem somos e em quais valores acreditamos através do nosso vestir. Cada vez mais os consumidores têm acesso à informação e entendem que a moda não se trata apenas de roupas, mas de comportamentos, valores e decisões pessoais com base no que acreditamos e esperamos encontrar no mercado. Além de querer saber sobre os processos de produção, sobre as matérias-primas, o conceito da coleção e as histórias por trás desses lançamentos, percebe-se o aumento do público disposto a comprar de marcas comprometidas com padrões éticos, que valorizem as pessoas e o meio ambiente, inclusive pagando mais por esses atributos. Os clientes, especialmente as novas gerações, querem estar inseridos em todo o desenvolvimento, podendo cocriar, opinar e se identificar com a essência das marcas, exigindo transparência e posicionamento das mesmas nas questões que julgam relevantes. Podemos observar que o modelo de vida mais sustentável tem se tornado cada vez mais presente, inclusive entre os criadores. Várias marcas, nas recentes semanas de moda europeias, sinalizaram essa preocupação, tendo Stella McCartney no protagonismo da mudança de mindset para uma moda mais durável e consciente. Mas isso não vem de agora, Coco Chanel já afirmou, no século passado: “Sou contra a moda que não dure. É o meu lado masculino. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora só porque é primavera”.
Na contramão dos seguidores de tendências de curta ou curtíssima duração, que denominamos fads ou micro tendências de estilo, já há uma procura crescente por mais essência, identidade, e menos moda descartável. A busca por peças com extrema qualidade, design atraente, não afetado pela obsolescência estética, que durem por muito tempo e façam sentido no guarda-roupa, tem ganhado força num momento em que a indústria da moda atravessa uma fase de transição, revendo toda a sua complexa cadeia. As pessoas estão mais seletivas no momento da aquisição de uma peça nova (ou usada), percebendo que sua compra também é a validação de um modelo de negócios: “Compro, logo, apoio”. Na virada de chave para um consumo mais racional, é fácil entender que não precisamos de tantas roupas, mas de roupas que nos representem, que façam sentido no nosso dia a dia, dentro dos nossos contextos de vida, independentemente da cor da estação ou do que o marketing de influência está dizendo que é o “must have” da vez. Quem dita o que devemos consumir não é a indústria da moda, apesar da forte influência que sofremos para sermos “incluídos” esteticamente, com o visual padronizado oferecido pelas redes de fast fashion. Somos nós os protagonistas das histórias que queremos contar e que nossas roupas comunicam, portanto, saibamos escolhê-las!
O QUE É MODA ATEMPORAL? A ideia por trás desse conceito é trazer apostas que permaneçam relevantes com o passar dos anos e com o surgimento de novas tendências. Basicamente, roupa atemporal é uma peça que continua contemporânea, mesmo décadas após sua criação. Como consumo, serve de alternativa à indústria focada na hiperprodução e com lançamentos novos a todo instante. Diante desse cenário, a moda atemporal carrega a ideia de trazer um consumo mais consciente e desacelerado, ainda que se utilize de peças de coleções passadas, mas que podem ser mantidas e recombinadas, mantendo-se sempre em alta.
Assim, o estilo atemporal preza pelo minimalismo e pela simplicidade, mas sem abrir mão da personalidade e da sofisticação, sendo uma iniciativa sustentável no vestir, pois propõe diferentes possibilidades e combinações com as mesmas peças, criando looks para ocasiões diversas. Pense em camisas brancas, trench coats, peças de alfaiataria, malhas lisas, cores neutras, cortes retos, ótimos tecidos e caimento impecável. Mais um exemplo? O terninho, o preto e branco e as pérolas imortalizadas pela Chanel, na década de 1930, são usados até hoje. O scarpin também é um exemplo de sapato atemporal, criado no final da década de 1940, sendo objeto de desejo e peça de enorme sucesso na moda, indo e vindo em diversas releituras. Em resumo, a moda atemporal é o estilo validado pelo tempo e sobreviveu a todas as trocas de tendências. São aquelas peças clássicas e elegantes que continuam sendo vistas todos os anos, trazendo um ar de contemporaneidade e adaptabilidade. Ainda que possuam características minimalistas, as peças atemporais estão atreladas à durabilidade, priorizando qualidade, simplicidade e elegância. Seu design clássico pode ser usado por pessoas de todos os estilos e em diversas ocasiões, fazendo parte do movimento slow fashion. É importante ressaltar que essas peças-chave são versáteis e multiplicadoras, trazendo consigo mais do que informação de moda, pois apresentam um posicionamento. A criatividade na hora de montar as combinações (as roupas, as cores) e o jeito de se vestir são formas de expressar a liberdade, as opiniões e os sentimentos por meio da moda, por isso a moda atemporal é sempre atual e redefine as relações com nossas roupas, com mais significado e entendimento de tudo o que elas representam. E como eu sempre afirmo por aqui: a moda não é sobre roupas, a moda é sobre pessoas.
Madeleine Müller, Stylist há 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa(UFP-Portugal); Pós-Graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em Direito (PUC-RS); Professora no Design de Moda da ESPM-POA; autora do livro “Admirável Moda Sustentável: vestindo um mundo novo”; ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética, regenerativa de sistemas e agente de transformação social. Contato: madeleine.muller@gmail.com @madi_muller