Vinhos - Cristian Silva

A BUSCA PELO QUE NOS REALIZA

A BUSCA PELO QUE NOS REALIZA

Cristian Silva
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Com o passar dos anos, a alimentação vem ganhando mais importância na minha vida. Dizer que isso tem relação com saúde e prazer é mais óbvio. Mas não é só isso. Existe também uma relação direta com a tomada de consciência.

Como quase todo gaúcho, meu acesso aos vinhos começou pelos argentinos e chilenos, que até hoje dominam as nossas prateleiras. A partir daí, busquei conhecer a produção nacional e mergulhei nas vinícolas da serra gaúcha. Para minha surpresa não encontrei grandes diferenças. Eu sabia que algo estava errado. 

Quando conheci os vinhos autorais ou de garagem, minha cabeça explodiu! Um novo mundo se abriu, com sabores e sensações únicas. Lembra quando era impensável se comer uma carne malpassada? Pois é, sentia-se o gosto de tudo, menos da carne. Descobri que com o vinho não é diferente. Um vinho onde a fruta não é protagonista não expressa o que a natureza entrega, nem a cultura do produtor. 

Foi então que me deparei com uma verdade desconfortável: apesar dos vinhos dizerem nos rótulos que seus ingredientes são uva e INS (conhecido como sulfito), é permitido adicionar uma lista enorme de outros compostos na sua formulação sem que precise ser declarado pelo produtor. Ou seja, do ponto de vista nutricional, o vinho que até então eu consumia é um alimento ultraprocessado, como uma bolacha recheada, um fast food, um refrigerante. Isso permite que uvas de baixa qualidade gerem vinhos parecidos com a maioria dos vinhos encontrados por aí em grande escala: com a fruta muito madura, sem personalidade, com álcool elevado e madeira. 

Cristian Silva - Foto: Felipe Fraga
Cristian Silva e Kely Bavaresco - Foto: Felipe Fraga

O resultado é que essa jornada mudou minha vida! Agora tudo o que levo à boca passa, não só por uma análise, mas por uma busca. Se não é fácil encontrar tomates, morangos e ovos livres de agrotóxicos e produzidos de maneira sustentável, imagine vinhos. 

Na Casa Vivá, bar de vinhos que tenho em Porto Alegre, respondo quase todos os dias à seguinte pergunta: “Como pode um vinho não ser natural se vem da uva?”. Eu sugiro que provem vinhos originais, sem aditivos químicos. Quem experimenta surpreende-se com sabores incríveis que não conheciam e sensação de bem-estar. Daí em diante é um caminho sem volta.

Sempre digo que a pior padronização é a da mente. Como imaginar que pessoas diferentes podem se realizar com sensações similares? Indo mais além, com a riqueza que existe, por que deveríamos reduzir as nossas experiências ao que alguém diz preferir? Por isso minha busca é contínua. Quem sabe se aquela sensação que ainda não conheço e que mais me realiza não estará na próxima taça?

* Cristian Silva é especialista em vinhos naturais, Vinhateiro da Vivá Vinhos, fundador e curador da Casa Vivá, Queijista e Jurado do Prêmio Queijo Brasil e Mundial do Queijo. cristian.a.silva@me.com

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