Capa - Eduardo Kobra
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Muito além
   dos muros

Por Adriana Calabró
Ao fundo: mural “A Lenda do Brasil”

Muito além dos muros

Por Adriana Calabró
“Coexistência”
Foto: Acervo Studio Kobra
Com um conjunto de obras literalmente expostas no mundo todo, Eduardo Kobra fez um painel em prol das vítimas da Covid-19.

No ano passado, o artista plástico Eduardo Kobra não parou: visitou mais de 40 países, espalhou sua street art pelo globo, fechou collabs com marcas de luxo como a Louis Vuitton. Mas eis que veio 2020, com a pandemia de coronavírus, e trancou o muralista brasileiro (e a nós todos) em casa. Mas a alma criativa e livre desse artista continuou em ação e ele criou “Coexistência”, um painel de grafite, em seu ateliê em Itu, no interior de São Paulo, em homenagem às vítimas da Covid-19. “Durante uma madrugada, eu estava acompanhando as postagens de alguns grupos (IKMR & CIA NISSI) que trabalhavam junto a moradores de rua. Fiquei impressionando porque era uma noite muito fria e os voluntários estavam ali colocando sua vida em risco, preparando alimentos, dando cobertores. Nesse momento, senti que poderia fazer algo também”, lembra ele. E foi assim que Kobra idealizou a campanha A Arte de Ajudar, e sorteou diversas serigrafias para angariar fundos a fim de distribuir 20 mil kits (feitos por famílias de refugiados) com alimentos e produtos de higiene a pessoas em situação de rua.
Quanto à obra, mostra crianças dos cinco continentes usando máscaras contra a transmissão do vírus, com símbolos de várias religiões - cristianismo, budismo, judaísmo, islamismo e hinduísmo. “Vamos vencer isto juntos, mas separados. Ou separados - por isso juntos. Nestes tempos de necessário isolamento social, é preciso ter fé. Independentemente da nossa localização geográfica, de nossa etnia e de nossa religião, estamos unidos em uma mesma oração: que Deus inspire os cientistas para que encontrem a solução para esta pandemia - e conforte nossos corações para que tenhamos forças e sigamos juntos como humanidade”, disse em um post. Kobra chamou o trabalho das máscaras de obra com propósito. “Além da questão estética, da pintura, da temática, da preocupação com a luz e sombra, do desenho, o objetivo é estimular a coexistência pacífica entre os povos e as religiões.”
O FUTURO COMEÇA AGORA
Autodidata, há 30 anos Kobra usa os muros como telas e ficou famoso internacionalmente ao criar o mural “Etnias-Todos Somos Um”, com 2,5 mil m², para os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, que na época entrou para o Guiness Book como o maior mural do mundo. Sempre atento às mensagens que quer passar por meio de sua arte, acredita em um futuro melhor a partir das mudanças individuais. “A ação começa dentro da nossa própria casa, respeitando os nossos pais, cuidando bem dos nossos filhos, dando uma educação adequada, deixando de lado agressões verbais, físicas e emocionais.” Também acredita que a responsabilidade de investir na tolerância é de cada um, repudiando qualquer caso de racismo ou de agressão. “Nós podemos mudar o mundo ao nosso redor, e dar exemplo para que outras pessoas se inspirem, para que isso vá viralizando, como uma corrente do bem.” E lembra que ajudar o próximo nem sempre exige dinheiro. “Uma visita ao hospital, um abraço, uma conversa. Isso já muda toda a atmosfera espiritual.”
Foto: Acervo Studio Kobra
ARTE NAS REDES SOCIAIS
Uma de suas obras mais famosas, ‘O Beijo’, executada em 2012 no High Line, em Nova York, foi apagada quatro anos mais tarde. Mas está eternizada nas redes sociais. “Meu trabalho não foi criado para ser efêmero. Isso foi uma condição natural imposta pelas ruas, ou pelas condições climáticas, até por isso, eu venho criando projetos e pensando sobre formas de proteger os murais (preparando melhor as paredes, aplicando camadas de proteção ou verniz). Afinal, assim como eu tive enorme prazer de ver os murais de Diego Rivera, Siqueiros e Portinari, gostaria que as próximas gerações pudessem ter acesso aos trabalhos de artistas de rua.” Mesmo ciente de que aquilo que o tempo apaga, a fotografia eterniza, o muralista gosta mesmo é de arte ao vivo. “Nada substitui o presencial, estar próximo, observar os detalhes.”
Foto: Acervo Studio Kobra
Ainda assim, Kobra concorda que todas as plataformas são importantes. “Quando você pinta no muro, acaba atingindo um número grande de pessoas. Independentemente de classe social, a obra é acessível a todos”, observa. Já as redes sociais têm a função de divulgar o trabalho globalmente. “Hoje existem galerias que funcionam apenas de forma virtual – Instagram, Facebook. Emabora não seja o meu caso, há artistas que fazem obras para essas redes. São formas diferentes de se expressar. Tudo acaba levando conhecimento, expandindo diversão, entretenimento e mensagens”, analisa.

CORES COM PROPÓSITO

Conhecido por murais que trazem mensagens que levam à reflexão, Kobra pretende manter essa linha e continuar fazendo murais sobre a importância da proteção dos rios, das florestas, dos povos indígenas e dos animais. “Vou continuar contrário a tirar os bichos dos seus ambientes e colocá-los em prisão para puro entretenimento. Seguirei falando sobre questões de intolerância e de racismo, da importância da valorização das culturas e tradições. Algumas pessoas aprovam, outras não. Mas se uma for impactada, meu objetivo já foi cumprido.”
Foto: Acervo Studio Kobra
Foto: Acervo Studio Kobra
Foto: Acervo Studio Kobra
Foto: Acervo Studio Kobra
Foto: Fernando Brisolla
Paz entre as nações - Noruega
Foto: Acervo Studio Kobra
O PRÓXIMO GRITO
A arte de Kobra grita contra mazelas sociais, retrata causas ambientais, protesta em prol de causas ecológicas, combate a pesca predatória, a exploração de animais, o aquecimento global, a poluição da água e do ar e o desmatamento. Mas há também a desigualdade social, a violência contra a mulher, a criança e os moradores de rua. “A falta de água, de educação, de cultura, de acesso ao conhecimento, a péssima qualidade dos políticos, da saúde, são todas guerras que precisam ser travadas, pacificamente. Só assim vamos viver em um lugar mais equilibrado, onde as pessoas possam se respeitar. No mínimo. E, assim, tornar as cidades mais humanas.” O artista crê que o primeiro passo para isso é ter a consciência de que somos interconectados. “A cidade é nossa responsabilidade: cuidar dos rios, das calçadas, da rede de esgoto, da questão do lixo e do trânsito. Vale cuidar de um jardim, da calçada da sua casa, da escola, transformar as praças. Cuidando daquilo que você usa, mesmo que seja um banco da praça, vai acabar beneficiando a todos. A arte urbana, pública, tem esse papel. É acessível a todos, traz alegria em meio ao caos, às sirenes, ao congestionamento. Ela ameniza tudo isso”, finaliza.