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O MUNDO DE OTÁVIO E GUSTAVO, OSGEMEOS

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Por Criz Azevedo

Um pensa, o outro executa. Um inicia, o outro complementa. Ambos criam e acontece a mágica. Assim são os artistas visuais Otávio Pandolfo e Gustavo Pandolfo, OSGEMEOS, juntos até na grafia da marca e sem acento.

Nascidos no bairro paulistano do Cambuci, em 1974, ao longo da carreira, participaram de exposições em países como Estados Unidos, China, Itália, Chile, Lituânia, Alemanha, Japão, Espanha, além de grafitar em grandes murais públicos, silos, bem como um castelo, um avião, vagão de metrô, e o que vier como convite, pois amam um desafio.

Legítimos gêmeos que se conectam em pensamento e no olhar, os irmãos artistas ganharam o mundo, e, mais recentemente, uma retrospectiva por meio da exposição “OSGEMEOS: Segredos”, na Pinacoteca de São Paulo, de outubro de 2020 a agosto de 2021, reunindo mais de 1.000 peças, com alguns itens inéditos, usando linguagens visuais combinadas.

Exposição “OSGEMEOS: Segredos”, na Pinacoteca de São Paulo

No início da adolescência já eram fãs da cultura Hip Hop e tudo que a envolve, esboçando os primeiros desenhos influenciados por esse universo que traz música, dança e grafitti como formas de expressão. De lá para cá, o Cambuci passou a abrigar o ateliê de onde fluem as criações de um universo paralelo habitado mentalmente apenas por Otávio e Gustavo, o mundo TRITREZ.

Pelos muros de São Paulo

Sabe quando você abre um livro e imagina como é o cenário da história que está sendo contada nas páginas e que só existe em sua mente, TRITREZ é tipo isso, ou mais do que isso. Pois são duas mentes brilhantes coabitando nesse imaginário, que, por sorte nossa, eles revelam alguns segredos por meio de desenhos, pinturas, grafitti, instalações, esculturas.

Durante cerca de quatro anos, ainda muito jovens, os irmãos decidiram fazer uma imersão em referências que consideravam importantes para criar uma identidade para o seu trabalho e achar respostas sobre o porquê desenhavam. Nessa pesquisa longa e intensa entrou arquitetura, design, arte, moda, música, fotografia, e tudo que pudesse inspirar visualmente. Esse caldeirão de informações foi essencial para o que hoje vemos como um traço que identifica OSGEMEOS. E esses contadores de histórias por meio da arte nos presenteiam com uma entrevista exclusiva para a Onne & Only.

Como foi o convite para a exposição na Pinacoteca de SP “OSGEMEOS: Segredos”? Quais foram os desafios para a seleção das peças?   

O convite partiu do próprio diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, em parceria com a Fortes D’Aloia & Gabriel. Toda curadoria e seleção das obras foram feitas por nós e pelo Jochen, que foi fundamental na escolha e na seleção dos trabalhos. Foi um trabalho de mais de um ano, na escolha dos desenhos, pinturas, esculturas, instalações…

Parte da exposição foi organizada de uma forma cronológica, onde inicia com os nossos primeiros desenhos de crianças até os últimos trabalhos realizados, no Brasil e no mundo. Também realizamos obras novas no museu, algumas improvisadas. Ficamos muito felizes com todo o resultado. Jochen é uma pessoa muito iluminada, visionária, cuidadoso com todos os detalhes da exposição que faz. Estamos muito felizes de termos trabalhados juntos e vivenciado essa experiência incrível, que levaremos pra vida toda.

Esperamos que essa exposição SEGREDOS possa abrir portas para as novas gerações de artistas que vêm de um universo diferente do convencional. Tem muito artista incrível.

De anos para cá, algumas exposições têm a visita virtual como aliada. Na pandemia foi um recurso necessário. Como é para vocês essa modalidade?  Em que medida isso impacta a relação da arte com seu público?

Isso foi algo novo e de grande impacto, importância, especialmente pelo momento triste que estamos passando. Poder atingir públicos de outros estados, países, com uma precisão incrível. Acho que permite uma proximidade com a exposição e desperta novas possibilidades de interatividade. Você pode estar em um ônibus do outro lado do mundo, e visitar a exposição virtualmente.

Acho que esses recursos ajudam muito no alcance e possibilitam informações, experiências e uma vivência diferente do convencional. Visitar pessoalmente é melhor, sim é melhor, mas participar de uma visita virtual como essa que foi elaborada é muito interessante e cativante. E funcionou muito bem para os projetos educativos do Museu.

Mural em NY com paleta OSGEMEOS

Esta retrospectiva terá continuidade em outras cidades? Como é o processo de levar o mesmo trabalho para vários lugares?

Então, a nossa ideia, e a do Jochen Volz, é de itinerar, poder levar ao máximo alcance possível, todas aquelas vivências, trabalhos desde o nosso início até os dias de hoje. Estamos trabalhando nestas ideias e torcendo para que possamos realizar.

Além de terem nascido e contar com um ateliê, o que o Cambuci tem que o faz um bairro especial? Vocês já se imaginaram viver um tempo em outra cidade do Brasil ou em outro país?

Nascemos no bairro do Cambuci, região central de São Paulo, quando crianças brincávamos lá e descobrimos a rua. Nosso primeiro ateliê foi em um quartinho em um sobrado, na casa dos nossos pais, e logo expandimos para as ruas, como forma de buscar novos horizontes. O ateliê que temos hoje aconteceu bem depois, mas foi crescendo gradativamente. Acho que nosso trabalho não ocupa apenas um lugar. Desde 1994, viajamos para outros países, levando nosso trabalho. Acho que nosso trabalho pertence ao mundo, a essas viagens que fazemos, dividindo o que aprendemos e colorindo novos lugares ao redor do mundo. Nós pertencemos ao mundo. Somos só instrumentos que canalizam esse universo lúdico, mágico e que se materializa através das pinturas e instalações.

Mural em Estocolmo / Intervenção no Tate Modern, Londres
Os Pandolfi Otávio e Gustavo. Ou seria Gustavo e Otávio?

TRITREZ é um universo que traz conforto. Habitar nele parece muito bom. Ao mesmo tempo, ele não fica fechado em uma bolha, pois olha o mundo com sutis críticas. A pandemia fez com que TRITREZ pensasse em rever conceitos? Como é criar ao longo de décadas dentro desse universo e continuar inovando?

TRITREZ pra nós é nossa espiritualidade, é o que acreditamos, nosso diário, nossa maneira de enxergar e de pensar. Quando estamos pintando, desenhando, estamos perto de TRITREZ. Acho que na maioria do tempo estamos mais lá do que aqui, mesmo nos pensamentos. O mundo interior nos conforta, e faz com que continuemos a produzir e dividir com as pessoas aqui o que vemos, sentimos, ouvimos... Nós viemos de TRITREZ, pintamos aqui neste plano o que lembramos de TRITREZ, e para TRITREZ iremos. Cada pintura que fazemos é uma página escrita deste nosso diário chamado TRITREZ.

Alguma curiosidade, fato engraçado, ou inusitado que tenha acontecido durante um processo criativo ou até mesmo na execução de um trabalho?

Sempre tem, muitos anos de histórias e vivências, mas muitas destas histórias são contadas nos nossos trabalhos! Quando se acredita em algo inusitado, diferente e lúdico, é inevitável que situações aconteçam. Tem uma história de quando éramos crianças, uns 6 anos de idade, participamos de um concurso de desenho na escola que estudávamos. Estávamos em salas separadas, sem saber o que cada um ia fazer, fizemos o mesmo desenho idêntico. Resultado, acabamos os dois ganhando esse concurso. Esta sinergia de gêmeos é muito forte, e quando se faz a mesma coisa, tem o mesmo estilo de trabalho, essa conexão se torna muito forte.

Como é desenvolver trabalhos para espaços públicos em outros países? OSGEMEOS têm total liberdade para criar?

Cada projeto é um projeto, muito diferente um do outro. Focamos em cada um deles como se fosse único e especial. Todos os projetos são bem elaborados. Nós sempre nos preocupamos de ter total liberdade no trabalho. A arte deve ser livre, o artista deve ser livre.

Evento Flying Steps, Berlim

Vocês costumam trazer como referências o artista Speto, entre outros. Há mais nomes que inspiram nas suas criações e que não sejam da arte de rua? 

 

Speto sempre foi e sempre será uma grande referência pra nós, aprendemos muito com ele, desde o início dos anos 1980. E sempre que olhamos seus novos trabalhos, ou conversamos com ele, aprendemos algo. 

 

Existem muitos artistas que admiramos e respeitamos. Acho que quando você materializa a sua essência, naturalmente, outras pessoas, artistas acabam se cruzando nessa estrada, e acabamos somando juntos.

Boston com cores e traços dos irmãos

Algum projeto novo de arte após a exposição na Pinacoteca?

Sim, existem alguns. Tivemos que estruturar nossa agenda, e muitos projetos ficaram pra frente, mas agora é focar no término da exposição na Pinacoteca e o próximo passo para onde será levada.

Temos outros projetos de exposições fora do Brasil em andamento, e alguns murais (laterais de prédio). Também queremos dar continuidade nesse projeto incrível, em parceria com a Pinacoteca desta minissérie SEGREDOS, exibida no canal do YouYube da Pina, que fala sobre o Hip Hop e seus personagens, conta histórias e vivências de pessoas que fizeram e fazem parte da cultura Hip Hop, e a nossa vivência dentro dessa cultura.

Bem lembrado, em São Paulo

Vocês também se engajam em ações sociais para a comunidade. Há algum projeto que esteja acontecendo neste contexto?

Sim, nós fazemos. Tem vários projetos, e trabalhamos em parceria com muitas instituições. Por exemplo, nesse tempo que estamos vivendo com a pandemia, fizemos um projeto em parceria com a Pinacoteca e o Grupo Rosset, desenvolvendo mais de 100 mil máscaras de proteção. Muitas foram entregues por algumas ONGS relacionadas ao cuidado com pessoas em situação de vulnerabilidade do Centro de São Paulo (região da Cracolândia, com entregas de máscaras e marmitas), e mais da metade nas comunidades ribeirinha na Amazônia, e algumas tribos indígenas, além de outros estados como Rio de Janeiro, Amazônia e Ceará. Em São Paulo, também fizemos parcerias com o Pimpmycarroça distribuindo EPIs.

Durante a pandemia, o foco de projetos sociais ficou maior, dividimos nosso estúdio em dois, e uma parte ficou somente pra projetos sociais.

Exposição “A opera da lua”, Fortes D’Aloia & Gabriel - São Paulo

Além da criação espontânea que acontece por meio de desenhos em suportes como papel a qualquer instante, há murais, trabalhos tridimensionais e finalização de peças. Vocês costumam ouvir música durante esses processos? Se sim, o que toca na playlist? Há estilos que ajudam a criar?

Sim, somos muito conectados com música, isso desde sempre, com influência do clássico erudito com nosso avô, da música rock com nosso irmão mais velho, e do Hip Hop na rua que crescemos juntos quando éramos crianças.

Música nos influencia, e adoramos compor e tocar. Temos um lado nosso que se conecta muito com a música.

Mural Naestved, Dinamarca

Vocês têm um hobby ou ele se mescla à atividade que virou profissão? Quando não estão criando, o que gostam de fazer? Há mais habilidades dos irmãos que vão além dos sprays, pincéis e lápis?

Amamos tudo o que fazemos, uma paixão grande que temos é a música e quando viajamos, observar a natureza e suas manifestações. Mas nossa maior paixão é desenhar.

Dois jovens de quase 50 anos de idade. Como vocês se imaginam daqui a algumas décadas? O que OSGEMEOS ainda não realizaram (por meio da sua arte) e que gostariam de fazer?

Pra arte que fazemos, não existe tempo. Vai muito de emparelhar o corpo com a alma, saber que o nosso corpo é um instrumento pra materialização das nossas visões e do que acreditamos. Acho que não paramos muito pra pensar em relação a nossa criação às décadas futuras, tudo faz parte dessa “construção”, cada tijolinho se alinha um com o outro. Por isso, para nós é muito importante o que se está fazendo hoje, o agora, acho que não tem um dia se quer que não pensemos em criatividade, ideias, às vezes jantando, em um outro contexto, com amigos, família…, mas nossa cabeça está longe, em busca de novas ideias. Em um piscar de olhos, nós fomos até alto mar, com nosso barquinho de madeira, remamos ao mundo das baleias, vimos o pôr do sol, embaixo de uma chuva leve, e aí piscamos os olhos novamente e voltamos. Estar lá, nos conforta.

Acho que a realização, ela acontece natural, ela vai acontecendo a partir do momento que você encontra seu caminho, quem você é, e qual sua missão aqui neste plano, no caso, nós como artista, é ser e permanecer artistas.

 

 

Parallel Connection na Time Square, NY

Vídeo sobre visitada guiada da exposição “OSGEMEOS: Segredos”.

https://www.youtube.com/watch?v=_fRTGMnZ3xk

www.osgemeos.com.br

@osgemeos