Gourmet

CACAU DE ORIGEM

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Conceitos Bean-to-Bar e Tree-to-Bar na elaboração de chocolates ganham o paladar brasileiro. É o cacau fino sendo desenvolvido por meio de práticas sustentáveis e processos artesanais.

Da amêndoa à barra, assim é traduzido o processo Bean-to-Bar (B2Bar) que surgiu nos Estados Unidos, em 1996, para expressar uma forma de produzir chocolate. Os chocolate makers (fazedores de chocolate) compram as amêndoas de cacau já fermentadas e secas de países das Américas do Sul e Central, África, ou Oriente. No contexto do Tree-to-Bar (T2Bar), da árvore à amêndoa, a empresa domina a produção do fruto até a barra de chocolate dentro da fazenda que ela mesma cultiva seu cacau. Os frutos são selecionados na colheita, verificando se não têm fungos, pragas, perfurações. Depois são cortados e vão para uma casa de fermentação com acompanhamento diário. Posteriormente, passam por torra, que é um dos segredos dos bons produtos.

NUTRICIONAL, CULTURAL, HISTÓRICO, AFETIVO

“Considero uma arte fazer chocolate de altíssima qualidade. E esses conceitos atendem a uma busca crescente do público por alimentos mais saudáveis, puros, menos processados, além de desejarem conhecer a origem dos itens que consomem. Embora o cacau B2Bar e T2Bar passem por processamentos, eles usam tecnologias e técnicas que preservam ao máximo as características sensoriais originais dos ingredientes”, explica Juliana Ustra, engenheira química, consultora em alimentos para empresas, educadora sobre chocolates para o consumidor, e idealizadora do projeto “Expedição Cacau e Chocolate no Brasil”. O projeto percorre fazendas pelo país para colher narrativas que, em breve, serão materializadas em um livro.

Juliana é uma pesquisadora independente sobre cacau e chocolate. Na infância, era fascinada pelo filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (de 1971 com remake em 2005), sonhava com aquele universo lúdico, saboroso e intrigante, - uma obra marcante até hoje para crianças e adultos. Atendeu por 10 anos o setor de confeitaria quando morou em Pelotas. Trabalhou com indicação de procedência como consultora de empresas de alimentos. “Entendi que um alimento não é só uma questão nutricional. Ele é cultural, histórico, afetivo. Ele pode ser visto de várias formas. Desenvolvi esse olhar. Quando me mudei para a serra gaúcha, em 2009, fui buscar empresas fabricantes de chocolate. Trabalhei numa marca pioneira em Gramado. Passei as estudar os processos industriais. E aí fui entender as origens do cacau. Em 2011 iniciei um relacionamento mais próximo com os produtores cacaueiros. Me apaixonei pelo assunto e quis saber mais. Um deles me convidou para experimentar um chocolate que ainda era um produto teste. Passei a conhecer o conceito Bean-to-Bar, e percebi que ele era diferente de tudo que eu estava acostumada. Fiquei intrigada, fui pesquisar e mergulhei nisso. Comecei a provar mais, fui ao Salon Du Chocolat, em Paris, ao Salão Internacional de Alimentação − Sial Paris. Queria saber sobre tendências mundiais para alimentação. Me dei conta que cacau é um universo, e chocolate é outro, embora se complementem”, conta.

www.chocolatenobrasil.blogspot.com

@chocolatenobrasil

Juliana Ustra prepara um livro sobre o cacau e o chocolate no Brasil / Foto: Divulgação

PUREZA E SUSTENTABILIDADE

Os conceitos Bean-to-Bar e Tree-to-Bar não são só processos industriais. “Eles incluem meio ambiente, socio responsabilidade, respeito às culturas daquela região. São feitos em escala menor que a industrial”, ressalta Juliana. No Brasil, as regiões produtoras encontram-se nos estados: Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Espírito Santo, e uma pequena parte em São Paulo.

Os chocolates B2Bar e T2Bar não usam gordura vegetal hidrogenada. A gordura vem da manteiga de cacau, saudável. Não são aplicados aromas artificiais. Existe um purismo na fórmula, pois há muito respeito ao sabor original daqueles ingredientes. Muitas marcas trazem a região de procedência, nome da fazenda, variedade de cacau, se é blend ou uma única variedade, em seus rótulos. Dependendo da safra, aquele chocolate terá um conjunto de notas sensoriais diferentes, pois os B2Bar e os T2Bar respeitam as características originais do fruto. Cada safra está sujeita a uma condição climática ou da interferência humana. Não existe uma padronização de sabor.

Uma das razões desses chocolates se destacarem por seu sabor, trazendo notas diferenciadas, é a forma de plantio. “O sistema agroflorestal cabruca, por exemplo, que preserva a área onde está plantado. Nestes ambientes, o cacau é vizinho de outras plantas, como bananeiras, mangas etc. Com isso, o sistema radicular (raízes de cada vegetal) pode se comunicar, emprestando características a este cacau. E não apenas a flora contribui para isso, a fauna tem sua cota de participação, como certos animais que habitam essas áreas e ajudam a manter esse ciclo ativo, devolvendo à terra o que comeram, contribuindo para o replantio, tudo de forma natural, um equilíbrio ambiental”, explica Juliana.

MODAKA

De família com tradição cacaueira desde 1896, Patricia Viana Lima dedica-se ao conceito Tree-to-bar e 100% orgânico (certificado pelo IBD - Instituto Biodinâmico) há mais de 10 anos, na região baiana de Barro Preto. Em 2012, criou a marca Modaka Cacau Gourmet. O nome é de origem sânscrita, inspirado da vivência de Patricia como praticante e formação especializada em Yoga, tendo morado em países do Oriente antes de assumir a gestão da fazenda em 2019. Modaka é inspirado no deus hindu Ganesha, o removedor de obstáculos que tem como doce preferido a modaka. E a Yoga se conecta muito com a forma que Patricia administra sua floresta na Bahia. Yoga é tempo presente, assim como a necessidade de respeitar o tempo da natureza que entrega os frutos na época certa. Além de barras 70% cacau, a marca trabalha com leite vegetal de amêndoas na composição. Também vende amêndoas de cacau crocantes, nibs para serem usados em receitas. Em 2021, lançou três produtos: o Café Cremoso, com cacau, café, castanha e canela; o Tchai da Cabruca, com castanhas e especiarias; e o Caramelo Salgado, com castanhas e flor de sal.

@modakacacau

Patricia Viana Lima junto à sua floresta sustentável / Foto: Juliana Ustra

MAGIAN

O cacau está ligado à família do gaúcho André Passow desde que seu avô trabalhava em uma grande indústria de chocolate e por meio de seus pais quando tinham uma fábrica de ovos de Páscoa no porão de casa. Chocolate maker há mais de cinco anos, André criou a Magian Cacao (que une as iniciais do primeiro filho Matias, da esposa Giovana e o seu). Tudo começou como um hobby até lançar oficialmente em 2017. Sua ideia sempre foi buscar um negócio com propósito, escolhendo fornecedores que adotassem boas práticas, trabalho digno sem exploração, entre outros valores que considera imprescindíveis e que respeitam a natureza. As amêndoas são da região do Vale do Rio Jequitinhonha, em Belmonte, sul da Bahia. Sua produção é realizada nos fundos de casa, em Porto Alegre, e vendida em lojas especializadas. Seguidamente, André viaja a Belmonte onde conta com um parceiro importante em sua jornada empreendedora. O fornecedor é Eduardo Melo, proprietário de uma fazenda que há seis gerações se dedica ao cultivo. Lá, André seleciona os lotes das amêndoas para fazer os chocolates. Sua produção é artesanal em itens 70% cacau, zero açúcar, com ingredientes - caju, café, cupuaçu, leite vegetal, cumaru etc. -, somando mais de 20 tipos de barras. Em 2020, sua barra 45% cacau ao leite recebeu Ouro no prêmio Bean To Bar Brasil.

@magiancacao

 

André Passow e processo de secagem das amêndoas de cacau / Foto: Divulgação

MIRÓH

Recentemente inaugurado na cidade gaúcha de Gramado, a marca Miróh Chocolate Makers nasceu da união do pâtissier e chocolate maker Ricardo Campos, sua esposa Ariane Raudenberg e a família Ziegler, de Santa Catarina. Formado em Gastronomia pela Escola de Turismo, Hotelaria e Gastronomia do CETT, de Barcelona, Ricardo conta que o nome foi inspirado no artista espanhol Joan Miró e na região da Catalunha, onde morou. Natural de São Paulo, traz no currículo alguns reconhecimentos: Melhor Chef Pâtissier 2014; melhor torta e melhor Snack do World Chocolate Masters Brasil 2014; melhor receita de chocolate Febrachoco 2014. Morando há dois anos em Gramado, percebeu um mercado com grande potencial para trabalhar produtos dentro dos preceitos Bean-to-Bar, criando drágeas, barras, bombons e chocolate para ser usado na confeitaria. O cacau como matéria prima é proveniente de fazendas sustentáveis, de produção orgânica e que não utilizam trabalho escravo nem infantil, vindo de regiões como Espírito Santo, Bahia e Pará. Para garantir uma produção com diferentes terroirs e alta qualidade, os sócios importam cacau certificado de países como Índia, Filipinas, Madagascar, Nicarágua e Venezuela. Outra característica da marca é que ela também conta com um café em frente ao Lago Negro, além de oferecer experiências para os visitantes como acompanhar o processo de fabricação a partir da amêndoa torrada até tornar-se um chocolate; degustar cacau de diferentes procedências para sentir as nuances de cada um.

@mirohchocolate

 

 

Chef Ricardo Campos junto às sacas de cacau do Miróh / Foto: Divulgação